No mês de setembro, dedicado na Igreja do Brasil à Sagrada Escritura, queremos olhar um pouco como nosso Pai e Fundador, São Vicente de Paulo, usou e interpretou a Palavra de Deus.
Sem dúvida, a Sagrada Escritura é a base de qualquer vida cristã, de toda espiritualidade. A verdadeira espiritualidade é o seguimento de Jesus. E só a Bíblia, em especial os evangelhos, nos permitem chegar até Jesus, conhecer seus projetos e sentimentos.
Também para Vicente de Paulo, a Bíblia foi a mediadora para o encontro com o Cristo evangelizador dos pobres.
Essa pequena pesquisa é apenas um resumo daquilo que os grandes conhecedores de S.Vicente escreveram. O objetivo não é apresentar um estudo profundo sobre S.Vicente e a Bíblia. Mas, em forma de uma pequena exposição, mostrar aos coirmãos e coirmãs como a Sagrada Escritura foi importante para S.Vicente. Procurei reunir uma série de dados interessantes e ordená-los para conhecermos melhor como nosso Pai serviu-se da Palavra de Deus na sua vida pessoal e nas suas obras. Perdoem-me os coirmãos e coirmãs pela imperfeição.
Situação histórica
O final do século XVI e o século XVII são marcados pela irradiação do Concílio de Trento. A segurança pacífica de uma cristandade medieval cedeu lugar a momentos de ameaça causados pelo protestantismo. A maioria do povo estava despreparada para as novas ameaças, sobretudo pela falta de um maior conhecimento religioso.
Na política, o poder civil tentava dominar as heresias pela força. A fé defendida pela espada era apenas o reflexo de como a religião era a base da vida social. Atacar a ortodoxia católica significava abalar os alicerces da sociedade.
Na França o protestantismo ganhou muitos adeptos, especialmente entre a nobreza (os calvinistas). Catarina de Médici, que era regente devido à menoridade do rei, não conseguiu reverter a situação. Em 1563, explodiu a guerra dos hugenotes, como eram chamados os calvinistas franceses, colocando em confronto católicos e protestantes. A partir de 1598, com o edito de Nantes, começou a desabrochar na França a reforma católica.
A Igreja de Trento oferecia a imagem de uma organização poderosa, consciente de seu prestígio e poder. A centralização do poder em Roma, favoreceu a unidade da Igreja, em contraste com a pulverização do protestantismo. O papa era visto como o guardião da fé. Mas os príncipes ainda tentavam imiscuir-se nos assuntos eclesiásticos como por exemplo, a nomeação de bispos.
A vida espiritual da Igreja concentrava-se, nessa época, no mistério do homem, marcado pelo pecado original, mas com capacidade de ir ao encontro com Deus. Havia um reflorescimento da teologia, marcado pela apologética, ou seja, a defesa da verdadeira fé contra as tendências protestantes.
Outro fenômeno de renovação católica foi a fundação de seminários (jesuítas, o Oratório de São Felipe Néri, na Itália, em 1560; a introdução do Oratório na França em 1613 pelo cardeal De Berulle; os sulpicianos; a congregação de São João Eudes e os lazaristas de São Vicente de Paulo). A revalorização da homilia (Bossuet, Fenelon) tão desprezada na Idade Média; a renovada ênfase à Eucaristia; a devoção a Maria e ao Sagrado Coração de Jesus.
A vitalidade da Igreja se manifestava ainda nas missões iniciadas fora da Europa; na atuação dos santos da época: Santa Tereza de Ávila, São João da Cruz, São Francisco de Sales, São Vicente de Paulo...
A França foi ainda marcada pelo surgimento do jansenismo. Jansenius, bispo de Yvres, na Bélgica, negava o livre arbítrio na questão da necessidade da graça para a salvação. Em 1638, ele publicou sua obra “Agostinho” na qual, baseado nas obras de Santo Agostinho, negava o livre arbítrio. Após sua morte, o jansenismo de um sistema teológico evoluiu para um movimento de espiritualidade. O fundador da espiritualidade jansenista foi o abade do convento francês de Saint-Cyran. Em vez da visão otimista de Francisco de Sales, Saint-Cyran apresentava uma imagem pessimista da humanidade radicalmente condenada pelo pecado, e que, portanto, só poderia ser salva pela graça de Deus que era concedida não a todos, mas a poucos. Cristo não teria morrido por todos os homens e a Igreja era só para os puros. Na confissão, mais do que o sacramento, era importante o arrependimento e a longa penitência. A Comunhão era a recompensa pela virtude e só podia ser recebida esporadicamente.
Após a morte de Saint-Cyran, o jansenismo adquiriu um perigoso espírito sectário. Recebeu o apoio dos nacionalistas franceses e tornou-se o porta-voz dos insatisfeitos da sociedade francesa. Luís XIV mandou fechar o convento de Port-Royal que era o centro de irradiação da heresia e demoli-lo. Em 1718, a Igreja excomungou os jansenistas.
A Bíblia no século XVII
Sabemos que a Reforma Protestante nasceu da polêmica contra a autoridade do Papa e dos bispos. Lutero apelou para a única autoridade da Sagrada Escritura. Não se trata de opor de modo simplista a autoridade de uma pessoa, o papa, à autoridade de um livro, a Bíblia. Os reformadores, a partir de John Wyclif (+ 1384), afirmavam que a Bíblia devia ser interpretada literalmente e segundo a autoridade do Espírito e não segundo a autoridade dos intérpretes humanos, inclusive do Magistério da Igreja. O sentido literal da Escritura é a intenção do Espírito Santo e deve ser interpretado na fé no mesmo Espírito e não apoiando-se em autores humanos. Segundo Lutero, nenhuma autoridade humana pode confirmar a interpretação válida da Escritura. As Escrituras só podem se entendidas no mesmo Espírito que foram escritas. E o Espírito só pode ser encontrado presente na própria Escritura. Qualquer cristão deve ter acesso direto à Bíblia e a seu verdadeiro sentido desde que tenha disposições adequadas para receber as luzes do Espírito Santo. Portanto, para Lutero a única autoridade era a Bíblia: “sola Scriptura”.
A Igreja, no Concílio de Trento, condenou a doutrina da livre interpretação da Bíblia e decretou a Vulgata com único texto autêntico com todos os seus livros e suas partes. A partir daí floresceram os comentários bíblicos e as introduções e teologia bíblicas.
Porém, a teologia, que buscava combater as idéias do protestantismo diminuiu a importância da Bíblia e acentuou o papel da Tradição. A Bíblia era apenas o primeiro dos “lugares teológicos” de onde se tiravam argumentos para justificar as doutrinas. O exegeta era apenas uma espécie de técnico que preparava os argumentos da Escritura que o teólogo usaria nas discussões contra os protestantes ou ateus. A exegese era apenas uma servidora da teologia dogmática e da apologética.
A partir do século XVII até seu apogeu no século XIX, se iniciou a busca do verdadeiro sentido literal original do texto sagrado. Nessa busca utilizou-se todos os meios ao alcance da razão: a comparação da Bíblia com outras obras literárias do Antigo Oriente Médio, as descobertas da arqueologia... Assim o filósofo judeu B. Spinoza, procurou interpretar a Bíblia com pressupostos racionalistas. Em 1678, o oratoriano R. Simon publicou sua obra “História Crítica do Antigo Testamento” submetendo a Bíblia a uma análise crítica literária e histórica. Porém, um grupo de católicos tradicionalistas, liderados por Bossuet, fizeram com que sua obra fosse colocada no Índice de livros proibidos.
É nesse contexto que viveu e trabalhou Vicente de Paulo (1581-1660).
São Vicente de Paulo e a Bíblia
É certo que o jovem Vicente foi introduzido nos mistérios da fé ainda em sua casa. Sua mãe foi sua primeira catequista. A fé era transmitida de geração em geração no âmbito familiar. Foi ali que ele aprendeu a rezar e teve os primeiros rudimentos da fé. A utilização da Bíblia na catequese familiar era muito pequena. A maioria das pessoas não tinha acesso ao texto sagrado, ainda na tradução latina da Vulgata. Não era comum ter um exemplar da Bíblia em casa. A Bíblia ainda estava apenas nas mãos dos grandes teólogos e era usada sobretudo nas polêmicas contra os reformadores. Portanto seu uso era mais apologético. Mas, Vicente como todos no seu tempo, teve uma noção de “História Sagrada”, isto é, conheceu ainda pequeno alguns fatos mais importantes da História da Salvação: a vocação de Abraão, o sacrifício de Isaac, o êxodo, o reinado de Davi e Salomão, os profetas, João Batista, Jesus... Além da família, também a freqüência à paróquia de Dax contribuiu para a iniciação bíblica de Vicente.
Foi também importante o papel de seu tio paterno, Estevão, prior de Poymartet, perto de Goubera.
Assim o jovem Vicente de Paulo teve seu primeiro contato com a Palavra de Deus, em família, nas pregações do pároco de Dax e nas reflexões de seu tio.
Em 1604 Vicente formou-se bacharel em teologia. É certo que durante seus estudos de teologia, seu contato com a Bíblia foi maior. Como dissemos, nessa época o recurso à Sagrada Escritura no estudo da teologia, era mais apologético. A Bíblia era usada para provar as grandes verdades da fé. Não sabemos se o estudante de teologia Vicente foi um grande conhecedor de Sagrada Escritura. A teologia da época era escolástica, muito metódica e pouco existencial.
Uma vez ordenado sacerdote, continuou nutrindo-se da Escritura mas de modo indireto, através dos textos dos lecionários e do breviário. Mas se pergunta: qual breviário era impresso na época? Quanto custava? No momento de sua morte foram encontrados no quarto de Vicente dois tomos do breviário, que hoje se encontram na sala de relíquias da Casa-Mãe, em Paris. Medem 185cm por 120cm, foram impressos em 1656 e pesam cada um mais de 1550 gramas. Sem dúvida era difícil o manuseio e o transporte desses mais de 3kg.
“Uma leitura crítica nos revela que antes de 1617, isto é, antes de seus 36 anos, Vicente não utiliza muito a Bíblia e podemos supor que ele a conhecesse muito pouco. Ele fala de Deus, da Providência, da Virgem Maria, mas o nome de Jesus aparece pela primeira vez no Regimento da Caridade de Chatillon, em outubro de 1617” (1)
A chegada em Paris, marcou uma mudança em sua vida. Durante três ou quatro anos preocupou-se em adquirir algum benefício. Esse tempo foi para Vicente uma espécie de postulantado. O padre De Berulle o protegia e sonhava tê-lo no Oratório recém fundado.
Dois fatos conhecidos marcaram a reviravolta em sua vida: a acusação de furto e a noite da fé. Foi então que decidiu dar sua vida a Deus no serviço aos pobres. Deus respondeu dando-lhe a paz da alma. Cristo se revelou a Vicente no pobre camponês de Gannes. Foi ali que ele consegui “virar a medalha” e ver os fatos com os olhos de Deus. O camponês agonizante de Gannes levou Vicente a se concentrar em Jesus Cristo que está no pobre.
Como todos sabemos, 1617 marca a transformação radical na vida de Vicente. Em janeiro de 1617 descobriu em Folleville o Cristo missionário, e em agosto do mesmo ano, em Chatillon encontrou-se com o Cristo servidor dos pobres.
Esses dois fatos marcam também um novo modo de ver as Escrituras. Dois textos bíblicos se tornarão a base de toda sua espiritualidade e ação.
Lucas 4, 18ss: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor.”
São Vicente usa esse texto oito vezes para definir a missão de Cristo e da Congregação e o adotou no emblema da Congregação da Missão.
Mateus 25, 40: “...em verdade, em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.”
Esse texto está em todos os Regulamentos da Caridade feitos por São Vicente e também nas Regras Comuns da Congregação da Missão.
Podemos dizer que a descoberta de Cristo presente no pobre foi também para Vicente uma descoberta da Sagrada Escritura. O Cristo descoberto nos evangelhos é o Cristo comprometido com os pobres e marginalizados.
O Cristo encontrado em Gannes, coloca diante de seus olhos o que ele nunca tinha imaginado. Os pobres corriam o risco de perder a salvação. O Deus misterioso e transcendente que Vicente conheceu nas “Regras de Perfeição” de M. Duval, pedia-lhe que o amasse doando-se aos pobres. Assim, naturalmente, os pobres levaram Vicente de Paulo a Cristo. E o Cristo se revela nas Escrituras.
Ele lia todos os dias um texto do Novo Testamento e obrigou seus coirmãos a fazer o mesmo: “Cada dia os padres e clérigos lerão um capítulo do Novo Testamento e respeitarão o livro como regra de perfeição cristã e para melhor aproveitamento o lerão ajoelhados, com a cabeça descoberta e no final da leitura farão os três atos seguintes: adorar as verdades contidas no capítulo, aplicar-se para ter os mesmos sentimentos com os quais Nosso Senhor os pronunciou, e esforçar-se para praticar os conselhos ou preceitos ali contidos.” (2)
Como São Vicente utilizou a Bíblia
É, sem dúvida, uma tarefa muito ambiciosa apresentar a relação entre São Vicente e a Bíblia. Seria necessário percorrer os oito volumes de sua correspondência, os dois volumes de conferências às Filhas da Caridade, os dois volumes de conferência aos missionários, reunidas por Pierre Coste, no total de 8.427 páginas.
Segundo M. Vansteenkiste (3), nos volumes IX e X que contêm as conferências às Filhas da Caridade, existem 164 citações explícitas da Sagrada Escritura, das quais 23 do AT e 141 do NT. Há ainda 1.755 citações implícitas ou reminiscências, das quais 428 do AT e 1327 do NT.
E conforme Jean Pierre Renouard (4), encontramos nos volumes XI e XII das conferências aos missionários 127 citações do AT e 203 do NT, sem contar as repetições de citações.
Esses números mostram que São Vicente serviu-se da Bíblia com muita freqüência.
Dos 73 livros da Bíblia, ele citou 38 dos 46 que compõem o AT e dos 27 do NT, apenas três não foram citados. Os livros do AT não citados são: Primeiro Crônicas, Esdras, Ester, Primeiro Macabeus, Rute, Abdias, Habaquc e Ageu. Os três livros do NT não utilizados são: Filêmon, Segunda e Terceira Cartas de João.
Essas citações são indicadas com fórmulas introdutórias como: “como diz a Sagrada Escritura”; “como Deus diz”; “como Nosso Senhor diz”; “como diz São Paulo”, etc.
São Vicente não usou a linguagem bíblica de modo uniforme, sempre com o mesmo fim e intenção. Citava a Bíblia de memória sem muita preocupação com a exatidão das palavras. Por exemplo, nas conferências se encontra quatro vezes a citação de Rm 12,10 sempre com pequenas diferenças. Outras vezes, várias passagens bíblicas, mas com palavras ou idéias semelhantes, são fundidas em uma única citação. “Quando se apresenta às Filhas da caridade ou aos Padres da Missão para explicar as Regras, ele cita os textos exatamente e inclusive dá as citações. Mas essas circunstâncias são raras. Seu gênero mais comum é o da glosa, a glosa viva, espiritual... a maioria das vezes maravilhosamente adaptada ou acomodada à situação.” (5)
Assim, Vicente se assemelha muito aos escritores do NT que também citaram livremente textos do AT. Seu modo de citar a Sagrada Escritura se apóia mais no sentido literal e não no sentido histórico exato do texto. Ele se atém mais ao sentido moral, à aplicação imediata do texto. Por exemplo: na conferência de junho de 1624 sobre a obediência, o texto de Mt 26, 52-54 é citado de modo muito livre: “Jesus Cristo preferiu a santa obediência à sua própria vida. Não disse ele a Pedro que queria impedir os judeus de prendê-lo: você não quer que eu faça a vontade de Deus meu Pai, que é obedecer aos soldados, a Pilatos e aos algozes? E se não fosse para cumprir essa santa vontade, por acaso uma legião de anjos não viria me livrar?” (6)
“Diante dessas freqüentes citações ou alusões a textos bíblicos, poder-se-ia imaginar que São Vicente “estudou” profundamente a Bíblia, no sentido forte da palavra “estudar”. Ele consultou-a freqüentemente, fez escolhas imbuindo-se dos textos úteis para esclarecer e simplificar o sistema teórico da vida sobrenatural.” (7)
O Antigo Testamento
São Vicente não via nenhuma ruptura entre os dois Testamentos. Além dos ensinamentos dos livros do AT, o santo citava os personagens da Antiga Aliança, tirando de suas vidas e ações ensinamentos. De modo especial sua atenção se concentrou sobre quatro figuras: Adão, Noé, Abraão e Moisés.
Adão - São Vicente menciona onze vezes a vida e a queda de Adão: dez vezes às Filhas da Caridade e uma vez aos missionários (8). Olha sobretudo sua desobediência e as conseqüências para o gênero humano: “Adão deu a morte ao corpo e causou a da alma pelo pecado” (9). Às vezes faz comentários interessantes.
“Adão mordeu a maçã e a comeu com Eva. Fazendo isso, ele afastou do amor de Deus e adquiriu, para si e para seus descendentes, a própria condenação” (10). Afirma que Adão “fez penitência e chorou seu pecado por 900 anos”. Note-se que Gn 4,1 diz que Adão viveu 930 anos.
Noé - O patriarca Noé é citado cinco vezes (11). S. Vicente cita sobretudo dois fatos: a construção da arca e a atividade de Noé.
A construção da arca é motivo para ensinar. Falando às Filhas da Caridade em 25 de maio de 1654 dizia: “Sabeis, minhas filhas, quanto tempo Noé levou para construir a arca e deixá-la perfeita como devia ser? cem anos. Ó Salvador de nossas almas! Ó minhas queridas irmãs! Se para fazer a arca, onde oito pessoas foram salvas do dilúvio, foi necessário tanto tempo, pensai, quanto será necessário para firmar e conservar esta Companhia onde um grande número de almas se retirarão e se salvarão do dilúvio do mundo.” (12)
Citando a Carta de São Clemente aos Coríntios, o santo diz que Noé foi profeta e pregador de penitência. “Deus quis castigar todo o mundo; e enviou um dilúvio universal para castigar os horríveis pecados que eram cometidos; o que ele fez? Deu a Noé a idéia de construir uma arca, e ele levou cem anos para fazê-la. Porque Deus quis que Noé levasse tanto tempo na construção dessa arca, se não para ver se o mundo se convertia, fizesse penitência e aproveitasse o que Noé lhes dizia da janela de sua arca, gritando alto, conforme alguns autores: “Fazei penitência, pedi perdão a Deus.” (13)
Abraão - Para São Vicente, Abraão é o exemplo perfeito de obediência. Pela obediência, Abraão seguiu passo a passo a Providência Divina tanto deixando seu país como imolando seu filho único. (14)
“Lembrai-vos de Abraão a quem Deus prometeu povoar toda a terra através do filho que ele tinha. E, entretanto, Deus lhe deu ordens de sacrificá-lo. Se Abraão matasse seu filho, como Deus cumpriria sua promessa? Abraão que acostumara seu espírito a fazer a vontade de Deus, julgou seu dever executar a ordem, sem se preocupar com o resto. Cabe a Deus pensar nisso, poderia ele dizer, se eu cumpro sua ordem, ele cumprirá sua promessa, mas como? Eu não sei. Ele é todo poderoso. Eu vou oferecer-lhe o que tenho de mais querido no mundo, porque ele quer. Mas é meu filho único! não importa. Mas tirando a vida dessa criança, tirarei o meio pelo qual Deus cumprirá sua palavra: é a mesma coisa. Se eu o conservo, minha descendência será bendita, me disse Deus. Sim, mas ele também me disse para sacrificá-lo... eu obedecerei seja o que for e espero em sua palavra. Admirai essa confiança... Porque não podemos ter a mesma esperança, se deixamos a Deus o cuidado de tudo que nos diz respeito e preferimos o que nos ele nos ordena?”
Moisés - São Vicente evoca a figura de Moisés mais de 25 vezes. Lembra que Moisés, como Melquisedec, sem pai, nem mãe, nem genealogia, também foi uma criança abandonada. Mas sobretudo foi o mediador escolhido por Deus para transmitir a Lei e para interceder pelos israelitas durante as batalhas. “Grande é a força da oração mental, minhas filhas, porque era o que Moisés fazia enquanto mantinha as mãos levantadas para o céu sem dizer nenhuma palavra; e ela tinha a eficácia de ajudar a vencer a batalha em favor de quem rezava. E as Santas Escrituras ainda nos apresentam Moisés, certa vez, diante de Deus sem dizer nada. E ouvia a voz de Deus: Moisés, você me força a fazer aquilo que não quero. Esse povo é ingrato e rebelde à minha Lei. Eu quero destrui-lo e tu queres salvá-lo. Por que você me força? Retira-te da minha frente e me deixa fazer minha vontade (Êx 32, 9-10). Vede, eu vos peço, minhas filhas, como Deus se sente obrigado pela oração e pela oração mental, pois Moisés não dizia nada, e entretanto sua oração foi ouvida por Deus que lhe dizia: Você quer que eu faça aquilo que desejas.” (15)
São Vicente citava muitas vezes o papel de Moisés como legislador, lembrando sobretudo os que se opunham às suas ordens e que foram castigados por Deus, como Core, Datan e Abiram (Nm 17, 5-14). “Nós temos na Antiga Lei, o exemplo de Core, Datan e Abiram que foram engolidos vivos pela terra por ter murmurado contra Moisés.” (16)
Lembra também o episódio de Maria, irmã de Moisés que se revoltou contra seu irmão porque ele tinha se casado com uma mulher cushita. Ficou coberta de lepra e foi curada pela intercessão de Moisés (Nm 12, 1-15). São Vicente comenta esse fato em julho de 1656: “Sua própria irmã foi castigada com a lepra por ter criticado o que Moisés tinha feito.” (17) Moisés foi, para São Vicente, modelo de fundador e legislador.
O Novo Testamento
Sem dúvida, a maioria das citações bíblicas de São Vicente foram tiradas dos livros do Novo Testamento. O segundo capítulo das Regras Comuns dos padres contém, em 14 parágrafos, 37 citações do Novo Testamento. Em suas obras, encontramos aproximadamente 400 citações explícitas dos Evangelhos e mais de mil alusões à vida de Jesus. O Evangelho fazia parte do seu horizonte. Sempre que falava a seus filhos e filhas, mencionava alguma máxima do Evangelho ou alguma ação de Jesus Cristo. É certo que ele escolheu as citações mais importantes para fundamentar suas explicações.
“Não precisamos praticar todas as máximas evangélicas, mas somente aquelas que não são contrárias ao nosso Instituto.” (18)
Foi da leitura atenta e da meditação constante do Evangelho, que São Vicente descobriu o “Cristo regra da missão”. Mais que sobre as parábolas e milagres, ele se concentrou sobre a missão de Jesus: Evangelizar os pobres conforme o texto de Isaías 61. Por isso, sobre o brasão da sua congregação colocou a imagem de Jesus missionário, adotou como lema: “O senhor enviou-me para evangelizar os pobres” e deu-lhe o título de Congregação da Missão.
“A Sagrada Escritura nos ensina que Jesus tendo sido enviado ao mundo para salvar o gênero humano, começou primeiramente fazendo e depois ensinando.” (SV XII, 73)
O evangelista mais citado é Mateus: 351 vezes. São Vicente o utiliza em uma dimensão eclesial, quando quer animar, catequizar, ensinar as irmãs e os missionários.
Vem, em seguida, o evangelho de Lucas. São Vicente se serve dele ao falar da missão, dos pobres, da Virgem Maria.
São Paulo é a grande fonte de sua espiritualidade batismal. São Vicente cita muito São Paulo ao falar da necessidade de conformar-se com Cristo; de deixar o velho homem e transformar-se, revestir-se do novo Adão. O P. Dodin escreveu que “a espiritualidade da missão não se baseia sobre uma teologia do sacerdócio, mas sobre a doutrina da identificação com Cristo pelo Batismo.” (19)
Um dos padres mais antigos da Congregação observou que São Vicente tinha grande devoção durante a celebração da missa sobretudo na leitura do Evangelho. Outros notaram que quando encontrava no Evangelho alguma passagem que começava com as palavras: “Em verdade, em verdade vos digo...” ele se tornava mais atento às palavras, e dava à sua voz um tom mais devoto. “Parecia sugar o sentido dos textos da Sagrada Escritura como uma criança suga o leite de sua mãe, tirando toda substância para nutrir sua alma; era por isso que em todas as suas ações parecia cheio do espírito de Jesus Cristo.” (20).
A partilha da Palavra
Uma vez assimilada a Palavra de Deus, devia ser partilhada, ensinada. Para São Vicente, seria um erro ler as Sagradas Escrituras apenas para enriquecer seu arsenal de argumentos ou deixar bonita a retórica. “Sobretudo é preciso guardar-se de ler por puro estudo, dizendo: essa passagem servirá para tal pregação, mas somente para a própria exaltação.” (21).
Para São Vicente, os dois meios mais importantes eram: a pregação e o catecismo.
Para ajudar na pregação simples, clara, familiar, mas com força e com caridade, compôs o “Pequeno Método” que tinha como objetivo “explicar com exemplos familiares as verdades do Evangelho”. A pregação devia girar em torno de três palavras chaves: natureza, motivos, meios. São Vicente teve o mérito de mudar a oratória sacra aproximando-a dos pobres.
Quanto ao catecismo, havia dois: “O Pequeno Catecismo” reservado às crianças; e o “Grande Catecismo” destinado aos adultos, mas ensinado na presença das crianças.
Conclusão
O que seria um santo sem a Bíblia? Apenas um grande líder como Maomé, Buda,...
São Vicente, como tantos outros santos, foi um homem do Evangelho. São Francisco de Sales definiu-o como “Evangelium loguens” - Evangelho falante.
São Vicente leu o Evangelho de modo concreto e realista. Para ele é possível tirar bons frutos de qualquer texto da Bíblia desde que bem explicado e meditado. (22)
Apoiou-se sobre a Bíblia como sobre uma base de granito. Dizia: “Tudo é discutível, fora daquilo que a Sagrada Escritura determina”. (23) São Vicente foi um missionário e um catequista por vocação. Era contrário ao uso da Escritura de modo polêmico. A Sagrada Escritura foi o lugar de seu encontro com Jesus adorador do Pai e servidor dos irmãos, o Jesus missionário. Foi também a fonte do seu ensino para as Damas da Caridade, Filhas da Caridade e Padres da Missão. Lendo sua correspondência e suas conferências nos sentimos como os discípulos de Emaús: com o coração ardendo enquanto “começando por Moisés e passando pelos profetas nos interpretava as Escrituras.” Não importa o método de interpretação usado por São Vicente, se era o método histórico-crítico, estruturalista, psicanalista ou materialista. O importante é o resultado: “nosso coração ardia dentro de nós”.
Pe. José Carlos Fonsatti, CM (Curitiba-PR)
Citações bibliográficas:
1) Dodin “Monsieur Vincent de Paul e la Bible” in Lê Grand siecle et la Bible Beauchesne. Paris,1989 p.218-219.
2) Regras Comuns da Congregação da Missão
3) M. Vansteenkiste “Monsieur Vincent e la Bible” in Bulletin de la Societé de Borda, n. 388
4) Jean Pierre Renouard “La Parola di Dio in San Vincenzo” in Annalli della Missione, 99, 1992 pag. 149ss.
5) Dodin “Saint Paul e Saint Vincent de Paul” Dax 1936-1937
6) SV IX, 66
7) M. Vansteenkiste – obra citada
8) SV IX, 47; X, 2, 17, 55, 80, 232, 448, 466, 495, 81; XI, 54;
9) SV X, 2
10) SV X, 55, 448
11) SV III, 183; IX, 56, 695; XI, 377; E, 341-342; XV, 171
12) SV IX, 696
13) SV XI, 377
14) SV III, 183, XI, 376; XII, 138.
15) SV IX, 418.
16) SV XIII, 728.
17) SV XIII, 728.
18) SV XII,129
19) Dodin “Saint Vincent de Paul”, Paris 1947, 23
20) Abelly III, 72-73
21) SV XII, 113.
22) SV XII,135
23) SV II,30
Artigo Publicado na Revista IPROSUL, Nº 145, de janeiro/março 2003, páginas 24 a 37.
Sem dúvida, a Sagrada Escritura é a base de qualquer vida cristã, de toda espiritualidade. A verdadeira espiritualidade é o seguimento de Jesus. E só a Bíblia, em especial os evangelhos, nos permitem chegar até Jesus, conhecer seus projetos e sentimentos.
Também para Vicente de Paulo, a Bíblia foi a mediadora para o encontro com o Cristo evangelizador dos pobres.
Essa pequena pesquisa é apenas um resumo daquilo que os grandes conhecedores de S.Vicente escreveram. O objetivo não é apresentar um estudo profundo sobre S.Vicente e a Bíblia. Mas, em forma de uma pequena exposição, mostrar aos coirmãos e coirmãs como a Sagrada Escritura foi importante para S.Vicente. Procurei reunir uma série de dados interessantes e ordená-los para conhecermos melhor como nosso Pai serviu-se da Palavra de Deus na sua vida pessoal e nas suas obras. Perdoem-me os coirmãos e coirmãs pela imperfeição.
Situação histórica
O final do século XVI e o século XVII são marcados pela irradiação do Concílio de Trento. A segurança pacífica de uma cristandade medieval cedeu lugar a momentos de ameaça causados pelo protestantismo. A maioria do povo estava despreparada para as novas ameaças, sobretudo pela falta de um maior conhecimento religioso.
Na política, o poder civil tentava dominar as heresias pela força. A fé defendida pela espada era apenas o reflexo de como a religião era a base da vida social. Atacar a ortodoxia católica significava abalar os alicerces da sociedade.
Na França o protestantismo ganhou muitos adeptos, especialmente entre a nobreza (os calvinistas). Catarina de Médici, que era regente devido à menoridade do rei, não conseguiu reverter a situação. Em 1563, explodiu a guerra dos hugenotes, como eram chamados os calvinistas franceses, colocando em confronto católicos e protestantes. A partir de 1598, com o edito de Nantes, começou a desabrochar na França a reforma católica.
A Igreja de Trento oferecia a imagem de uma organização poderosa, consciente de seu prestígio e poder. A centralização do poder em Roma, favoreceu a unidade da Igreja, em contraste com a pulverização do protestantismo. O papa era visto como o guardião da fé. Mas os príncipes ainda tentavam imiscuir-se nos assuntos eclesiásticos como por exemplo, a nomeação de bispos.
A vida espiritual da Igreja concentrava-se, nessa época, no mistério do homem, marcado pelo pecado original, mas com capacidade de ir ao encontro com Deus. Havia um reflorescimento da teologia, marcado pela apologética, ou seja, a defesa da verdadeira fé contra as tendências protestantes.
Outro fenômeno de renovação católica foi a fundação de seminários (jesuítas, o Oratório de São Felipe Néri, na Itália, em 1560; a introdução do Oratório na França em 1613 pelo cardeal De Berulle; os sulpicianos; a congregação de São João Eudes e os lazaristas de São Vicente de Paulo). A revalorização da homilia (Bossuet, Fenelon) tão desprezada na Idade Média; a renovada ênfase à Eucaristia; a devoção a Maria e ao Sagrado Coração de Jesus.
A vitalidade da Igreja se manifestava ainda nas missões iniciadas fora da Europa; na atuação dos santos da época: Santa Tereza de Ávila, São João da Cruz, São Francisco de Sales, São Vicente de Paulo...
A França foi ainda marcada pelo surgimento do jansenismo. Jansenius, bispo de Yvres, na Bélgica, negava o livre arbítrio na questão da necessidade da graça para a salvação. Em 1638, ele publicou sua obra “Agostinho” na qual, baseado nas obras de Santo Agostinho, negava o livre arbítrio. Após sua morte, o jansenismo de um sistema teológico evoluiu para um movimento de espiritualidade. O fundador da espiritualidade jansenista foi o abade do convento francês de Saint-Cyran. Em vez da visão otimista de Francisco de Sales, Saint-Cyran apresentava uma imagem pessimista da humanidade radicalmente condenada pelo pecado, e que, portanto, só poderia ser salva pela graça de Deus que era concedida não a todos, mas a poucos. Cristo não teria morrido por todos os homens e a Igreja era só para os puros. Na confissão, mais do que o sacramento, era importante o arrependimento e a longa penitência. A Comunhão era a recompensa pela virtude e só podia ser recebida esporadicamente.
Após a morte de Saint-Cyran, o jansenismo adquiriu um perigoso espírito sectário. Recebeu o apoio dos nacionalistas franceses e tornou-se o porta-voz dos insatisfeitos da sociedade francesa. Luís XIV mandou fechar o convento de Port-Royal que era o centro de irradiação da heresia e demoli-lo. Em 1718, a Igreja excomungou os jansenistas.
A Bíblia no século XVII
Sabemos que a Reforma Protestante nasceu da polêmica contra a autoridade do Papa e dos bispos. Lutero apelou para a única autoridade da Sagrada Escritura. Não se trata de opor de modo simplista a autoridade de uma pessoa, o papa, à autoridade de um livro, a Bíblia. Os reformadores, a partir de John Wyclif (+ 1384), afirmavam que a Bíblia devia ser interpretada literalmente e segundo a autoridade do Espírito e não segundo a autoridade dos intérpretes humanos, inclusive do Magistério da Igreja. O sentido literal da Escritura é a intenção do Espírito Santo e deve ser interpretado na fé no mesmo Espírito e não apoiando-se em autores humanos. Segundo Lutero, nenhuma autoridade humana pode confirmar a interpretação válida da Escritura. As Escrituras só podem se entendidas no mesmo Espírito que foram escritas. E o Espírito só pode ser encontrado presente na própria Escritura. Qualquer cristão deve ter acesso direto à Bíblia e a seu verdadeiro sentido desde que tenha disposições adequadas para receber as luzes do Espírito Santo. Portanto, para Lutero a única autoridade era a Bíblia: “sola Scriptura”.
A Igreja, no Concílio de Trento, condenou a doutrina da livre interpretação da Bíblia e decretou a Vulgata com único texto autêntico com todos os seus livros e suas partes. A partir daí floresceram os comentários bíblicos e as introduções e teologia bíblicas.
Porém, a teologia, que buscava combater as idéias do protestantismo diminuiu a importância da Bíblia e acentuou o papel da Tradição. A Bíblia era apenas o primeiro dos “lugares teológicos” de onde se tiravam argumentos para justificar as doutrinas. O exegeta era apenas uma espécie de técnico que preparava os argumentos da Escritura que o teólogo usaria nas discussões contra os protestantes ou ateus. A exegese era apenas uma servidora da teologia dogmática e da apologética.
A partir do século XVII até seu apogeu no século XIX, se iniciou a busca do verdadeiro sentido literal original do texto sagrado. Nessa busca utilizou-se todos os meios ao alcance da razão: a comparação da Bíblia com outras obras literárias do Antigo Oriente Médio, as descobertas da arqueologia... Assim o filósofo judeu B. Spinoza, procurou interpretar a Bíblia com pressupostos racionalistas. Em 1678, o oratoriano R. Simon publicou sua obra “História Crítica do Antigo Testamento” submetendo a Bíblia a uma análise crítica literária e histórica. Porém, um grupo de católicos tradicionalistas, liderados por Bossuet, fizeram com que sua obra fosse colocada no Índice de livros proibidos.
É nesse contexto que viveu e trabalhou Vicente de Paulo (1581-1660).
São Vicente de Paulo e a Bíblia
É certo que o jovem Vicente foi introduzido nos mistérios da fé ainda em sua casa. Sua mãe foi sua primeira catequista. A fé era transmitida de geração em geração no âmbito familiar. Foi ali que ele aprendeu a rezar e teve os primeiros rudimentos da fé. A utilização da Bíblia na catequese familiar era muito pequena. A maioria das pessoas não tinha acesso ao texto sagrado, ainda na tradução latina da Vulgata. Não era comum ter um exemplar da Bíblia em casa. A Bíblia ainda estava apenas nas mãos dos grandes teólogos e era usada sobretudo nas polêmicas contra os reformadores. Portanto seu uso era mais apologético. Mas, Vicente como todos no seu tempo, teve uma noção de “História Sagrada”, isto é, conheceu ainda pequeno alguns fatos mais importantes da História da Salvação: a vocação de Abraão, o sacrifício de Isaac, o êxodo, o reinado de Davi e Salomão, os profetas, João Batista, Jesus... Além da família, também a freqüência à paróquia de Dax contribuiu para a iniciação bíblica de Vicente.
Foi também importante o papel de seu tio paterno, Estevão, prior de Poymartet, perto de Goubera.
Assim o jovem Vicente de Paulo teve seu primeiro contato com a Palavra de Deus, em família, nas pregações do pároco de Dax e nas reflexões de seu tio.
Em 1604 Vicente formou-se bacharel em teologia. É certo que durante seus estudos de teologia, seu contato com a Bíblia foi maior. Como dissemos, nessa época o recurso à Sagrada Escritura no estudo da teologia, era mais apologético. A Bíblia era usada para provar as grandes verdades da fé. Não sabemos se o estudante de teologia Vicente foi um grande conhecedor de Sagrada Escritura. A teologia da época era escolástica, muito metódica e pouco existencial.
Uma vez ordenado sacerdote, continuou nutrindo-se da Escritura mas de modo indireto, através dos textos dos lecionários e do breviário. Mas se pergunta: qual breviário era impresso na época? Quanto custava? No momento de sua morte foram encontrados no quarto de Vicente dois tomos do breviário, que hoje se encontram na sala de relíquias da Casa-Mãe, em Paris. Medem 185cm por 120cm, foram impressos em 1656 e pesam cada um mais de 1550 gramas. Sem dúvida era difícil o manuseio e o transporte desses mais de 3kg.
“Uma leitura crítica nos revela que antes de 1617, isto é, antes de seus 36 anos, Vicente não utiliza muito a Bíblia e podemos supor que ele a conhecesse muito pouco. Ele fala de Deus, da Providência, da Virgem Maria, mas o nome de Jesus aparece pela primeira vez no Regimento da Caridade de Chatillon, em outubro de 1617” (1)
A chegada em Paris, marcou uma mudança em sua vida. Durante três ou quatro anos preocupou-se em adquirir algum benefício. Esse tempo foi para Vicente uma espécie de postulantado. O padre De Berulle o protegia e sonhava tê-lo no Oratório recém fundado.
Dois fatos conhecidos marcaram a reviravolta em sua vida: a acusação de furto e a noite da fé. Foi então que decidiu dar sua vida a Deus no serviço aos pobres. Deus respondeu dando-lhe a paz da alma. Cristo se revelou a Vicente no pobre camponês de Gannes. Foi ali que ele consegui “virar a medalha” e ver os fatos com os olhos de Deus. O camponês agonizante de Gannes levou Vicente a se concentrar em Jesus Cristo que está no pobre.
Como todos sabemos, 1617 marca a transformação radical na vida de Vicente. Em janeiro de 1617 descobriu em Folleville o Cristo missionário, e em agosto do mesmo ano, em Chatillon encontrou-se com o Cristo servidor dos pobres.
Esses dois fatos marcam também um novo modo de ver as Escrituras. Dois textos bíblicos se tornarão a base de toda sua espiritualidade e ação.
Lucas 4, 18ss: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor.”
São Vicente usa esse texto oito vezes para definir a missão de Cristo e da Congregação e o adotou no emblema da Congregação da Missão.
Mateus 25, 40: “...em verdade, em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.”
Esse texto está em todos os Regulamentos da Caridade feitos por São Vicente e também nas Regras Comuns da Congregação da Missão.
Podemos dizer que a descoberta de Cristo presente no pobre foi também para Vicente uma descoberta da Sagrada Escritura. O Cristo descoberto nos evangelhos é o Cristo comprometido com os pobres e marginalizados.
O Cristo encontrado em Gannes, coloca diante de seus olhos o que ele nunca tinha imaginado. Os pobres corriam o risco de perder a salvação. O Deus misterioso e transcendente que Vicente conheceu nas “Regras de Perfeição” de M. Duval, pedia-lhe que o amasse doando-se aos pobres. Assim, naturalmente, os pobres levaram Vicente de Paulo a Cristo. E o Cristo se revela nas Escrituras.
Ele lia todos os dias um texto do Novo Testamento e obrigou seus coirmãos a fazer o mesmo: “Cada dia os padres e clérigos lerão um capítulo do Novo Testamento e respeitarão o livro como regra de perfeição cristã e para melhor aproveitamento o lerão ajoelhados, com a cabeça descoberta e no final da leitura farão os três atos seguintes: adorar as verdades contidas no capítulo, aplicar-se para ter os mesmos sentimentos com os quais Nosso Senhor os pronunciou, e esforçar-se para praticar os conselhos ou preceitos ali contidos.” (2)
Como São Vicente utilizou a Bíblia
É, sem dúvida, uma tarefa muito ambiciosa apresentar a relação entre São Vicente e a Bíblia. Seria necessário percorrer os oito volumes de sua correspondência, os dois volumes de conferências às Filhas da Caridade, os dois volumes de conferência aos missionários, reunidas por Pierre Coste, no total de 8.427 páginas.
Segundo M. Vansteenkiste (3), nos volumes IX e X que contêm as conferências às Filhas da Caridade, existem 164 citações explícitas da Sagrada Escritura, das quais 23 do AT e 141 do NT. Há ainda 1.755 citações implícitas ou reminiscências, das quais 428 do AT e 1327 do NT.
E conforme Jean Pierre Renouard (4), encontramos nos volumes XI e XII das conferências aos missionários 127 citações do AT e 203 do NT, sem contar as repetições de citações.
Esses números mostram que São Vicente serviu-se da Bíblia com muita freqüência.
Dos 73 livros da Bíblia, ele citou 38 dos 46 que compõem o AT e dos 27 do NT, apenas três não foram citados. Os livros do AT não citados são: Primeiro Crônicas, Esdras, Ester, Primeiro Macabeus, Rute, Abdias, Habaquc e Ageu. Os três livros do NT não utilizados são: Filêmon, Segunda e Terceira Cartas de João.
Essas citações são indicadas com fórmulas introdutórias como: “como diz a Sagrada Escritura”; “como Deus diz”; “como Nosso Senhor diz”; “como diz São Paulo”, etc.
São Vicente não usou a linguagem bíblica de modo uniforme, sempre com o mesmo fim e intenção. Citava a Bíblia de memória sem muita preocupação com a exatidão das palavras. Por exemplo, nas conferências se encontra quatro vezes a citação de Rm 12,10 sempre com pequenas diferenças. Outras vezes, várias passagens bíblicas, mas com palavras ou idéias semelhantes, são fundidas em uma única citação. “Quando se apresenta às Filhas da caridade ou aos Padres da Missão para explicar as Regras, ele cita os textos exatamente e inclusive dá as citações. Mas essas circunstâncias são raras. Seu gênero mais comum é o da glosa, a glosa viva, espiritual... a maioria das vezes maravilhosamente adaptada ou acomodada à situação.” (5)
Assim, Vicente se assemelha muito aos escritores do NT que também citaram livremente textos do AT. Seu modo de citar a Sagrada Escritura se apóia mais no sentido literal e não no sentido histórico exato do texto. Ele se atém mais ao sentido moral, à aplicação imediata do texto. Por exemplo: na conferência de junho de 1624 sobre a obediência, o texto de Mt 26, 52-54 é citado de modo muito livre: “Jesus Cristo preferiu a santa obediência à sua própria vida. Não disse ele a Pedro que queria impedir os judeus de prendê-lo: você não quer que eu faça a vontade de Deus meu Pai, que é obedecer aos soldados, a Pilatos e aos algozes? E se não fosse para cumprir essa santa vontade, por acaso uma legião de anjos não viria me livrar?” (6)
“Diante dessas freqüentes citações ou alusões a textos bíblicos, poder-se-ia imaginar que São Vicente “estudou” profundamente a Bíblia, no sentido forte da palavra “estudar”. Ele consultou-a freqüentemente, fez escolhas imbuindo-se dos textos úteis para esclarecer e simplificar o sistema teórico da vida sobrenatural.” (7)
O Antigo Testamento
São Vicente não via nenhuma ruptura entre os dois Testamentos. Além dos ensinamentos dos livros do AT, o santo citava os personagens da Antiga Aliança, tirando de suas vidas e ações ensinamentos. De modo especial sua atenção se concentrou sobre quatro figuras: Adão, Noé, Abraão e Moisés.
Adão - São Vicente menciona onze vezes a vida e a queda de Adão: dez vezes às Filhas da Caridade e uma vez aos missionários (8). Olha sobretudo sua desobediência e as conseqüências para o gênero humano: “Adão deu a morte ao corpo e causou a da alma pelo pecado” (9). Às vezes faz comentários interessantes.
“Adão mordeu a maçã e a comeu com Eva. Fazendo isso, ele afastou do amor de Deus e adquiriu, para si e para seus descendentes, a própria condenação” (10). Afirma que Adão “fez penitência e chorou seu pecado por 900 anos”. Note-se que Gn 4,1 diz que Adão viveu 930 anos.
Noé - O patriarca Noé é citado cinco vezes (11). S. Vicente cita sobretudo dois fatos: a construção da arca e a atividade de Noé.
A construção da arca é motivo para ensinar. Falando às Filhas da Caridade em 25 de maio de 1654 dizia: “Sabeis, minhas filhas, quanto tempo Noé levou para construir a arca e deixá-la perfeita como devia ser? cem anos. Ó Salvador de nossas almas! Ó minhas queridas irmãs! Se para fazer a arca, onde oito pessoas foram salvas do dilúvio, foi necessário tanto tempo, pensai, quanto será necessário para firmar e conservar esta Companhia onde um grande número de almas se retirarão e se salvarão do dilúvio do mundo.” (12)
Citando a Carta de São Clemente aos Coríntios, o santo diz que Noé foi profeta e pregador de penitência. “Deus quis castigar todo o mundo; e enviou um dilúvio universal para castigar os horríveis pecados que eram cometidos; o que ele fez? Deu a Noé a idéia de construir uma arca, e ele levou cem anos para fazê-la. Porque Deus quis que Noé levasse tanto tempo na construção dessa arca, se não para ver se o mundo se convertia, fizesse penitência e aproveitasse o que Noé lhes dizia da janela de sua arca, gritando alto, conforme alguns autores: “Fazei penitência, pedi perdão a Deus.” (13)
Abraão - Para São Vicente, Abraão é o exemplo perfeito de obediência. Pela obediência, Abraão seguiu passo a passo a Providência Divina tanto deixando seu país como imolando seu filho único. (14)
“Lembrai-vos de Abraão a quem Deus prometeu povoar toda a terra através do filho que ele tinha. E, entretanto, Deus lhe deu ordens de sacrificá-lo. Se Abraão matasse seu filho, como Deus cumpriria sua promessa? Abraão que acostumara seu espírito a fazer a vontade de Deus, julgou seu dever executar a ordem, sem se preocupar com o resto. Cabe a Deus pensar nisso, poderia ele dizer, se eu cumpro sua ordem, ele cumprirá sua promessa, mas como? Eu não sei. Ele é todo poderoso. Eu vou oferecer-lhe o que tenho de mais querido no mundo, porque ele quer. Mas é meu filho único! não importa. Mas tirando a vida dessa criança, tirarei o meio pelo qual Deus cumprirá sua palavra: é a mesma coisa. Se eu o conservo, minha descendência será bendita, me disse Deus. Sim, mas ele também me disse para sacrificá-lo... eu obedecerei seja o que for e espero em sua palavra. Admirai essa confiança... Porque não podemos ter a mesma esperança, se deixamos a Deus o cuidado de tudo que nos diz respeito e preferimos o que nos ele nos ordena?”
Moisés - São Vicente evoca a figura de Moisés mais de 25 vezes. Lembra que Moisés, como Melquisedec, sem pai, nem mãe, nem genealogia, também foi uma criança abandonada. Mas sobretudo foi o mediador escolhido por Deus para transmitir a Lei e para interceder pelos israelitas durante as batalhas. “Grande é a força da oração mental, minhas filhas, porque era o que Moisés fazia enquanto mantinha as mãos levantadas para o céu sem dizer nenhuma palavra; e ela tinha a eficácia de ajudar a vencer a batalha em favor de quem rezava. E as Santas Escrituras ainda nos apresentam Moisés, certa vez, diante de Deus sem dizer nada. E ouvia a voz de Deus: Moisés, você me força a fazer aquilo que não quero. Esse povo é ingrato e rebelde à minha Lei. Eu quero destrui-lo e tu queres salvá-lo. Por que você me força? Retira-te da minha frente e me deixa fazer minha vontade (Êx 32, 9-10). Vede, eu vos peço, minhas filhas, como Deus se sente obrigado pela oração e pela oração mental, pois Moisés não dizia nada, e entretanto sua oração foi ouvida por Deus que lhe dizia: Você quer que eu faça aquilo que desejas.” (15)
São Vicente citava muitas vezes o papel de Moisés como legislador, lembrando sobretudo os que se opunham às suas ordens e que foram castigados por Deus, como Core, Datan e Abiram (Nm 17, 5-14). “Nós temos na Antiga Lei, o exemplo de Core, Datan e Abiram que foram engolidos vivos pela terra por ter murmurado contra Moisés.” (16)
Lembra também o episódio de Maria, irmã de Moisés que se revoltou contra seu irmão porque ele tinha se casado com uma mulher cushita. Ficou coberta de lepra e foi curada pela intercessão de Moisés (Nm 12, 1-15). São Vicente comenta esse fato em julho de 1656: “Sua própria irmã foi castigada com a lepra por ter criticado o que Moisés tinha feito.” (17) Moisés foi, para São Vicente, modelo de fundador e legislador.
O Novo Testamento
Sem dúvida, a maioria das citações bíblicas de São Vicente foram tiradas dos livros do Novo Testamento. O segundo capítulo das Regras Comuns dos padres contém, em 14 parágrafos, 37 citações do Novo Testamento. Em suas obras, encontramos aproximadamente 400 citações explícitas dos Evangelhos e mais de mil alusões à vida de Jesus. O Evangelho fazia parte do seu horizonte. Sempre que falava a seus filhos e filhas, mencionava alguma máxima do Evangelho ou alguma ação de Jesus Cristo. É certo que ele escolheu as citações mais importantes para fundamentar suas explicações.
“Não precisamos praticar todas as máximas evangélicas, mas somente aquelas que não são contrárias ao nosso Instituto.” (18)
Foi da leitura atenta e da meditação constante do Evangelho, que São Vicente descobriu o “Cristo regra da missão”. Mais que sobre as parábolas e milagres, ele se concentrou sobre a missão de Jesus: Evangelizar os pobres conforme o texto de Isaías 61. Por isso, sobre o brasão da sua congregação colocou a imagem de Jesus missionário, adotou como lema: “O senhor enviou-me para evangelizar os pobres” e deu-lhe o título de Congregação da Missão.
“A Sagrada Escritura nos ensina que Jesus tendo sido enviado ao mundo para salvar o gênero humano, começou primeiramente fazendo e depois ensinando.” (SV XII, 73)
O evangelista mais citado é Mateus: 351 vezes. São Vicente o utiliza em uma dimensão eclesial, quando quer animar, catequizar, ensinar as irmãs e os missionários.
Vem, em seguida, o evangelho de Lucas. São Vicente se serve dele ao falar da missão, dos pobres, da Virgem Maria.
São Paulo é a grande fonte de sua espiritualidade batismal. São Vicente cita muito São Paulo ao falar da necessidade de conformar-se com Cristo; de deixar o velho homem e transformar-se, revestir-se do novo Adão. O P. Dodin escreveu que “a espiritualidade da missão não se baseia sobre uma teologia do sacerdócio, mas sobre a doutrina da identificação com Cristo pelo Batismo.” (19)
Um dos padres mais antigos da Congregação observou que São Vicente tinha grande devoção durante a celebração da missa sobretudo na leitura do Evangelho. Outros notaram que quando encontrava no Evangelho alguma passagem que começava com as palavras: “Em verdade, em verdade vos digo...” ele se tornava mais atento às palavras, e dava à sua voz um tom mais devoto. “Parecia sugar o sentido dos textos da Sagrada Escritura como uma criança suga o leite de sua mãe, tirando toda substância para nutrir sua alma; era por isso que em todas as suas ações parecia cheio do espírito de Jesus Cristo.” (20).
A partilha da Palavra
Uma vez assimilada a Palavra de Deus, devia ser partilhada, ensinada. Para São Vicente, seria um erro ler as Sagradas Escrituras apenas para enriquecer seu arsenal de argumentos ou deixar bonita a retórica. “Sobretudo é preciso guardar-se de ler por puro estudo, dizendo: essa passagem servirá para tal pregação, mas somente para a própria exaltação.” (21).
Para São Vicente, os dois meios mais importantes eram: a pregação e o catecismo.
Para ajudar na pregação simples, clara, familiar, mas com força e com caridade, compôs o “Pequeno Método” que tinha como objetivo “explicar com exemplos familiares as verdades do Evangelho”. A pregação devia girar em torno de três palavras chaves: natureza, motivos, meios. São Vicente teve o mérito de mudar a oratória sacra aproximando-a dos pobres.
Quanto ao catecismo, havia dois: “O Pequeno Catecismo” reservado às crianças; e o “Grande Catecismo” destinado aos adultos, mas ensinado na presença das crianças.
Conclusão
O que seria um santo sem a Bíblia? Apenas um grande líder como Maomé, Buda,...
São Vicente, como tantos outros santos, foi um homem do Evangelho. São Francisco de Sales definiu-o como “Evangelium loguens” - Evangelho falante.
São Vicente leu o Evangelho de modo concreto e realista. Para ele é possível tirar bons frutos de qualquer texto da Bíblia desde que bem explicado e meditado. (22)
Apoiou-se sobre a Bíblia como sobre uma base de granito. Dizia: “Tudo é discutível, fora daquilo que a Sagrada Escritura determina”. (23) São Vicente foi um missionário e um catequista por vocação. Era contrário ao uso da Escritura de modo polêmico. A Sagrada Escritura foi o lugar de seu encontro com Jesus adorador do Pai e servidor dos irmãos, o Jesus missionário. Foi também a fonte do seu ensino para as Damas da Caridade, Filhas da Caridade e Padres da Missão. Lendo sua correspondência e suas conferências nos sentimos como os discípulos de Emaús: com o coração ardendo enquanto “começando por Moisés e passando pelos profetas nos interpretava as Escrituras.” Não importa o método de interpretação usado por São Vicente, se era o método histórico-crítico, estruturalista, psicanalista ou materialista. O importante é o resultado: “nosso coração ardia dentro de nós”.
Pe. José Carlos Fonsatti, CM (Curitiba-PR)
Citações bibliográficas:
1) Dodin “Monsieur Vincent de Paul e la Bible” in Lê Grand siecle et la Bible Beauchesne. Paris,1989 p.218-219.
2) Regras Comuns da Congregação da Missão
3) M. Vansteenkiste “Monsieur Vincent e la Bible” in Bulletin de la Societé de Borda, n. 388
4) Jean Pierre Renouard “La Parola di Dio in San Vincenzo” in Annalli della Missione, 99, 1992 pag. 149ss.
5) Dodin “Saint Paul e Saint Vincent de Paul” Dax 1936-1937
6) SV IX, 66
7) M. Vansteenkiste – obra citada
8) SV IX, 47; X, 2, 17, 55, 80, 232, 448, 466, 495, 81; XI, 54;
9) SV X, 2
10) SV X, 55, 448
11) SV III, 183; IX, 56, 695; XI, 377; E, 341-342; XV, 171
12) SV IX, 696
13) SV XI, 377
14) SV III, 183, XI, 376; XII, 138.
15) SV IX, 418.
16) SV XIII, 728.
17) SV XIII, 728.
18) SV XII,129
19) Dodin “Saint Vincent de Paul”, Paris 1947, 23
20) Abelly III, 72-73
21) SV XII, 113.
22) SV XII,135
23) SV II,30
Artigo Publicado na Revista IPROSUL, Nº 145, de janeiro/março 2003, páginas 24 a 37.