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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Nossa Senhora da Conceição Aparecida e a conversão Cristã


Sois bendita por Deus entre todas, Maria,
pois de vós recebemos o Fruto da Vida.

No mês de outubro de 1717, os pescadores Filipe Pedroso, Domingos Garcia e João Alves, durante uma pesca no Rio Paraíba, colheram a imagem daquela que, a partir de então, foi chamada de Nossa Senhora Aparecida. Foi o povo quem deu esse nome à imagem. Esta permaneceu com o pescador Filipe Pedroso, que com toda a vizinhança costumavam rezar o terço todos os sábados.

Com o passar dos anos, os milagres foram aparecendo e a devoção aumentou. Isto exigiu a construção de uma Capela, inaugurada em 1745, mas esta se tornou muito pequena diante do número de devotos. Assim, em 8 de dezembro de 1888, um novo templo foi inaugurado e na mesma data de 1904, o Papa Pio X ordenou que a milagrosa imagem fosse solenemente coroada. No dia 29 de abril de 1908 foi concedido ao já Santuário o título de Basílica Menor.

No dia 16 de julho de 1930, o Papa Pio XI declarou e proclamou Nossa Senhora Aparecida Padroeira do Brasil. Em 1952, iniciou-se a construção da nova Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida, solenemente dedicada pelo Papa João Paulo II a 4 de julho de 1980. Resumidamente, esta é a história da aparição da imagem, da sua devoção histórica e do reconhecimento por parte da Igreja. Anualmente, dezenas de milhares de romeiros e romeiras se dirigem ao Santuário Nacional, em Aparecida, SP para prestar suas homenagens e manifestar a devida gratidão à Virgem Aparecida pelas graças alcançadas.

Depois de ter citado brevemente o histórico desta importante veneração mariana, é preciso que re-orientemos o nosso olhar a respeito do sentido da devoção a Nossa Senhora. Não é maçante salientar que Jesus de Nazaré não pode deixar de ser o centro e o sentido da vida e da espiritualidade cristãs. O cristão católico não pode colocar a Virgem Maria como redentora da humanidade. Aqui se encontra certa distorção da devoção mariana. É comum encontrarmos alguns exageros na devoção mariana que dão margem às críticas, muitas vezes, não bem intencionadas, dos que professam a fé fora da Igreja Católica.

Eis o pedido de Maria no Evangelho de João 2, 5: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Estas palavras nos indicam o caminho a seguir, ou seja, Jesus. Ela mesma, Maria de Nazaré, foi sua fiel discípula e missionária. Venerá-la como Mãe de Jesus significa praticar o seu pedido: Fazer o que Jesus nos disser. O que Jesus nos diz? “Amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15, 12). Assim sendo, Maria ensina-nos a obediência à palavra de Jesus, e esta palavra nos exige o amor mútuo e solidário.

Não podemos reduzir a devoção mariana ao fazer e pagar promessas, a pedir e receber graças, pois a isto chamamos de devocionismo. Este se manifesta nos excessos de piedade: reino de Maria, mil ave-marias, caminho único de se chegar a Jesus, centralidade do culto mariano na liturgia, multiplicação exacerbada dos títulos conferidos à Maria, colocá-la como uma mulher constituída de poder espiritual que resolve problemas espirituais e materiais etc. Isto aliena, infantiliza a fé e desvia do caminho de Jesus. O devocionismo mariano marginaliza a pessoa de Jesus e centraliza a pessoa de Maria. Jesus torna-se servo de sua mãe, tendo que obedecê-la fielmente, e o Evangelho mostra o oposto.

Isto é muito perigoso para a autêntica prática da fé que se manifesta no seguimento, porque as pessoas passam a cultuar Jesus. Este passa a ser visto como a fonte inesgotável de todas as graças e sua Mãe, a fiel medianeira. Não somos chamados a prestar culto a Jesus, mesmo ele sendo Deus. A vocação cristã se realiza plenamente no seguimento de Jesus de Nazaré. Aqui o devocionismo perde o seu sentido e esvazia-se, pois não ajuda nem promove tal seguimento, mas atrapalha e chega até a impedir. Na Igreja, infelizmente, temos mais pessoas devotas do que autênticas seguidoras do divino Mestre.

Para quem não tem coragem de seguir Jesus, a devoção à Virgem e aos santos torna-se uma das alternativas de estar em comunhão com a Igreja. Há pessoas que batem, orgulhosamente, no peito e afirmam ser piedosamente católicas por serem devotas da Virgem ou de algum santo ou santa. Neste sentido, é preciso entender bem que uma coisa é a devoção (prática religiosa) e outra o seguimento. Para um devoto, a Virgem é aquela que pode alcançar um milagre, para um seguidor de Jesus, ela é um modelo sublime de seguimento de Jesus. Com isto não estou defendendo a idéia de que um seguidor de Jesus não pode nem deve ser devoto da Virgem Maria, mas é preciso ter cuidado para que a devoção não desvie o discípulo do caminho do Mestre.

Geralmente, os devotos da Virgem Maria são os empobrecidos deste mundo, que procuram na devoção alívio para seus sofrimentos; são mulheres e homens sofredores que empenhados nas lidas sofridas da vida buscam construir o Reino de Deus. Os devotos de Nossa Senhora costumam ser pessoas que procuram escutar o seu pedido e que se colocam no caminho estreito e espinhoso de Jesus, são os crucificados da história, vítimas do poder e do sistema que oprimem. A fé destas pessoas é motivo de alegria e gratidão ao Deus da vida que escuta o clamor dos empobrecidos em suas lutas por libertação.

Além de ser o dia da Solenidade da Mãe Aparecida, 12 de outubro também é o Dia das Crianças. Estas são, aos olhos de Jesus, os pequeninos indefesos que precisam de carinho, atenção e proteção constante. Jesus abraçou e abençoou as crianças e lhes assegurou o Reino de Deus: “Eu garanto a vocês: quem não receber como criança o Reino de Deus, nunca entrará nele” (Mc 10, 15). Jesus ensina que o Reino deve ser recebido a partir da condição de criança. O que isso significa? As crianças são pessoas destituídas de poder, orgulho, prepotência; elas são humildes e simples. Elas são, ainda, sinais de alegria, docilidade e bondade. Nenhum ser humano sadio consegue ter ódio de uma criança, porque elas só despertam o amor. As crianças são sinais da presença amorosa de Deus no mundo.

Para entrar no Reino de Deus é preciso ser como as crianças: despojadas e humildes. O Reino de Deus não está reservado aos poderosos e aos de extensa cultura, mais aos destituídos de poder e aos constituídos de humildade e simplicidade. As crianças também são um lugar de encontro com Deus, pois elas revelam-no na alegria, no carinho, no sorriso, no abraço e no olhar. Todo o ser de uma criança revela a beleza de Deus. Quem não enxergar isso está gravemente doente, quer no corpo quer no espírito; e quem não se tornar como elas, nunca entrará no Reino de Deus. Isto é muito sério e merece a nossa reflexão.

Celebrar o Dia das Crianças é lembrar-se das que são abandonadas, das que passam fome, das que estão enfermas, das que são perseguidas e assediadas moral e sexualmente, das que são vítimas de estupros, da prostituição e outras formas de violência, enfim, de todas as crianças violadas na sua dignidade. Todas estas injustas situações precisam ser denunciadas e atendidas. É preciso que vigore na prática o Estatuto da Criança e do Adolescente, que o Governo, a Justiça, as Igrejas, as ONGs e todas as pessoas estejam atentas às necessidades das crianças sofredoras e as socorram no tempo certo. Toda forma de violência a uma criança, independentemente de cor, sexo, cultura, religião e condição social, é uma das piores ofensas a Deus.

Enfim, celebrar a Mãe Aparecida e o Dia das Crianças é celebrar a ternura do Deus que recria, cotidianamente, todas as coisas no Cristo, o Emanuel presente na história e na vida dos empobrecidos deste mundo.

Tiago de França