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domingo, 6 de junho de 2010

Encantar-se com Cristo no Pobre...

Pe. Eli Chaves dos Santos, CM
Chirrundzo (Moçambique)

Você já viu: um jovem apaixonado, encantado pela sua amada? Um mágico que, pela sua palavra ou sua música, encanta cobras e animais? Uma pessoa que, pelas suas palavras, atitudes e sentimentos, encanta e fascina todos os que dela se aproximam? Um militante social ou político fascinado pela sua causa, pela sua luta, capaz de dar a vida pelo seu ideal? Um(a) consagrado(a) vibrante, encantado(a) por Cristo, que encanta e entusiasma os outros? Pois é, precisamos ser pessoas encantadas com nosso ideal vicentino, com Cristo no Pobre, para tornar nossa vida encantadora e encantar os outros!... É preciso encantar-se com a consagração vicentina. É preciso hoje e sempre um encantamento vicentino. A questão do encantamento está ligada ao mundo da magia. Os mágicos fazem encantamentos, que são sortilégios, feitiços, um poder secreto, misterioso, que domina espíritos, que faz até curas milagrosas. Neste sentido técnico e forte do encantamento que existe sob o poder da magia, podemos fazer uma transposição analógica e encontrar um segundo sentido onde podemos dizer que a consagração vicentina encanta nossa vida e nos trans-porta para o belo, maravilhoso, para o sentido pleno que nos arrebata. Três palavras para entender o encantamento:
Encantamento é fascinação, é estar fascinado. No sentido etimológico da palavra, fascinação vem de faixa. A faixa envolve, fascinação é estar envolvido, estar enfaixado por algo que nos realiza e torna fascinante a vida. Contemplar Cristo no Pobre é deixar-se enfeitiçar pelo seu amor que é inventivo ao infinito. Este amor envolve, dá um sentido apaixonado, que fascina a pessoa, tornando-a dinâmica e fascinante. Esta fascinação supera os desencantos, ilumina as cruzes. Torna as cruzes belas e amáveis. Faz exalar na própria vida uma fecundidade marcada pelo perfume da caridade – São Vicente de Paulo: “eu beijei suas cadeias, suas correntes”. O pobre, amado, respeitado e servido, é como uma faixa, que nos envolve e nos fascina. Encantamento é cativar. Cativar é criar laços, prender-se a uma pessoa. Tomando uma passagem do “Pequeno Príncipe”: “A Raposa disse: „minha vida é monótona‟ – isto é desencantamento. „Eu caço galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem, e por isso me aborreço. Mas, se tu me cativas, minha vida será cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos e o teu será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música‟. „Vês lá ao longe os campos de trigo. Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. Porém, se tu me cativas, tu que tens cabelos cor de ouro, então será maravilhoso. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho que vem do trigo‟. Encantada pelo amor de Cristo, cada pessoa é diferente, é uma música a te convidar para o belo canto da vida no amor, na sinfonia da comunhão. Cativar, deixar-se cativar pela beleza do i-deal vicentino e tornar-se sacramento do amor infinito de Cristo, que deve cativar a vida toda e nos leva a cativar os outros. Ser cativo é ser servo de Cristo nos Pobres, em seu infinito e criativo amor. Diz são Vicente: “virai a medalha e vereis, pelas luzes da fé, que o Filho de Deus, que quis ser pobre, nos é representado por estes Pobres. ... Ó Deus, como é belo ver os Pobres, se os consideramos em Deus e na estima que por eles teve Jesus Cristo!” Cristo no Pobre e o Pobre em Cristo cativam e tiram nossa vida da monotonia e do sem-sentido.
Encantamento é sedução. Palavra um tanto ambígua, mas que aqui significa deixar-se encantar pelos caminhos e atitudes de amor que encanta a vida, que a torna bela, cheia de gosto, prazer e deleite. Seduzir é tornar a vida cheia de graça, agraciada. A comunhão que Cristo realiza conosco no Pobre nos seduz, nos coloca no caminho do amor inventivo ao infinito, que dá prazer, graça, gosto e plenitude. Os Santos Padres usavam uma figura da mitologia para nos indicar o amor sedutor de Cristo. Diziam que Orfeu era a imagem de Cristo. Ao tocar divinamente bem sua lira, Orfeu encantava as pessoas e as coisas. Ao ouvir sua música, as árvores se inclinavam, os rochedos saíam de seus lugares, os rios paravam sua correnteza, as feras se sentavam ao seu redor para ouvi-lo. Nas viagens marítimas, com sua lira aliviava o cansaço e a monotonia dos remadores, livrava-os dos cânticos sedutores e traiçoeiros das sereias. Quando sua mulher Eurídice morreu, Orfeu, que a amava muitíssimo, desceu ao inferno e, com sua lira, seduziu, inebriou e adormeceu os monstros que guardavam o lugar e roubou a sua mulher, trazendo-a à vida. O amor de Cristo, inventivo ao infinito no serviço ao pobre, seduz, alimenta, restabelece as forças, cria comunhão, restaura a vida.
Hoje, vivemos uma crise grande, reina muito absurdo, muito vazio, na nossa existência atual, nos Pobres, nos religiosos(as), no povo em geral. De fato, a sociedade moderna é uma sociedade desencantada. Max Weber mostra esse desencantamento com a irrupção de uma sociedade racionalizada, sobretudo da técnica, da ciência, da máquina. Tudo perde sua magia, seu poder encantador, devido à desmagificação do mundo, à materialização de tudo e à perda do sentido transcendental da vida e do mundo. Vivemos um momento instável, de interrogações e mesmo desencantados com a vida, com a religião, com a política, com a Igreja, com a Vida Consagrada; por outro lado, vivemos uma época de criação de novos e efêmeros ídolos que encantam e fascinam as pessoas (sexo, consumismo, dinheiro, drogas, Inter-net, etc.) apenas de modo superficial, passageiro e até desumanizador. Este desencanto penetra nossa vida de fé, nossa consagração, nossa missão apostólica – aquele encanto, aquele „primeiro amor‟ dos anos de juventude, dos anos de Noviciado e de Profissão, parece calejado, esvaziado, e tanto descrédito e amargor tomam conta da vida. Quais os desencantos que podem estar presente hoje em sua vida? É preciso encantar ou reencantar a vida. Mais importante que o encantamento é a fonte do encantamento. Para nós, Cristo Evangelizador dos pobres é o que nos encanta, que dá sentido novo à nossa vida e trabalho. A comunhão com Deus e o Pobre que Jesus nos apresenta em sua vida, ex-pressão da inventividade do seu amor infinito, é força para encantar-nos. O encantamento é como um perfume. Exala, inebria. A flor artificial não tem perfume. Uma consagração formal e fria não tem perfume, não fascina. Vamos enfatizar e colocar no centro de nossas vidas Cristo no Pobre, vamos contemplar Cristo Servidor e Evangelizador dos Pobres, para tornar nossas vidas encantadas e encantar os outros. Que possamos pensar, organizar e viver a vida a partir de Cristo no Pobre. Que este mistério de fé e de luz, co-locado no centro de nossa vida e apostolado, torne nossas vidas encantadas e encantadoras do amor de Cristo!